Duas mães
Na semana passada apercebi-me que tenho falado muito sobre o pai biológico do nosso miúdo, mas pouco ou nada sobre a mãe. Mas é com a mãe que tudo funciona como no melhor dos imaginários que se poderão tecer sobre as relações entre a família biológica e os padrinhos civis.
A propósito da mãe biológica do nosso menino, muitas vezes lembro-me da história bíblica do rei Salomão, que reza assim: "E disse o rei: Dividi em duas partes o menino vivo: e dai metade a uma e metade a outra. Mas a mulher cujo filho era o vivo falou ao rei (porque o seu coração se lhe enterneceu por seu filho) e disse: Ah! Senhor meu, dai-lhe o menino vivo e por modo nenhum o mateis."
Esta é a mãe do nosso menino. Ela reconhece que ele está bem connosco. Trata-nos com a máxima cordialidade e respeito. Conversamos sobre aspetos relativos à educação deste nosso filho em comum.
Ela contou-nos que no princípio tinha ciúmes (quem não teria?). Mas que, com a ajuda da sua assistente social, fez um percurso de reconhecimento e aceitação. Em tribunal, ao contrário do pai biológico, não lhe foram concedidos quaisquer direitos (talvez por não ter tido defensor constituído que a ajudasse, talvez porque realmente tenha muitas limitações que impedem que as visitas tenham um caráter de regularidade fixa). Mas nós articulamos visitas com ela, mesmo sem termos a obrigação legal de o fazer. Neste momento, o nosso míudo está a passar uma semana com ela e com a avó biológica, e sabemos que é tratado de forma condigna, mesmo que no quotidiano a senhora não tenha condições para ficar com ele a tempo inteiro - realce-se, não se trata apenas de parcos recursos financeiros - existem diversas lacunas que determinam a impossibilidade de ela cuidar do seu filho a tempo inteiro.
Mas não fico com o coração apertado quando o miúdo a visita, como sempre fico quando ele visita o pai biológico, onde assiste a gritarias, alcoolismo, pressões e dramas a que nenhuma criança ou jovem deveria estar sujeito. Desde a última vez que aqui escrevemos, as visitas foram reatadas e ocorrem sempre que o miúdo quer, o que sucede cerca de uma vez por mês, ficando ele com o pai durante uma tarde. Não tem corrido mal. Sendo um período breve, à partida não haverá muita oportunidade para o ambiente descambar.
Conhecemos vários casos de famílias que incluem uma criança ou jovem que mantém laços com a família biolígica. Reunimo-nos, com o apoio da associação "amigos prá vida", para conversarmos sobre as nossas experiências. Todas essas famílias conseguem manter relações equilibradas com as famílias biológicas das crianças - aliás, somos os únicos que temos queixas relativamente a um dos progenitores e mesmo assim, também nós temos vindo a encontrar o nosso equilíbrio, sendo que nunca este senhor conseguiu prejudicar a nossa relação com o nosso menino, nem interferir de forma relevante na nossa vida. Então, o que vos quero dizer, se têm o projeto de apadrinhar civilmente e têm medo de lidar com a família biológica, que isso não vos demova.
Eu sinto-me bem a partilhar a maternidade com esta mulher. Somos as duas mães desta criança e ambas lhe queremos bem.